...Assim, para quem ama, o amor, por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento, cada vez mais intenso e profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. (...) O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo por si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser: é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamado para longe.(Reflexões...)
Em carta a Rilke
...Fui sua mulher durante anos porque você foi a primeira realidade, onde homem e corpo são indiscerníveis um do outro, fato incontestável da própria vida.Eu poderia dizer literalmente aquilo que você me disse quando me confessou o seu amor: 'Só você é real'. Foi assim que nos tornamos marido e mulher, antes mesmo de nos tornarmos amigos, não por escolha, mas por esse casamento insondável. Não eram duas metades que se buscam: trêmula, nossa unidade, surpresa, reconhecia uma unidade pré-ordenada. Éramos irmão e irmã, mas como nesse passado distante, nestes que o casamento entre irmão e irmã se tornasse sacrilégio.
Em Anal e Sexual ( no livro Erotismo)- ensaios
...A gente não possui um ao outro por meio do corpo, mas apesar do corpo, que, como todo mundo sabe, não se identifica jamais (...) completamente com o todo da pessoa, mas aparece sempre como uma parte dela e não resiste à dominação mais viva .
....A fusão inteira do nosso ser com o outro, por mais querido que seja, não seria desejável. É preciso que sejamos cada vez mais nós mesmos, para ser um mundo para o outro. A relação erótica, remetendo-nos a nós próprios, é uma ocasião de constante renovação: cada vez ela inaugura em nós um ser novo; como um ato de linguagem, cada vez que eu falo a um Tu, é um Eu diferente que fala a um novo Tu. Quando digo Eu, já não sou aquela que falava há pouco. A relação erótica é, assim, nela mesma, criação. E o amor um elemento de produção: somos a cada instante outros, encontramos no outro cada vez um elemento novo, diferente, desconhecido, misterioso até - o que dá à relação erótica sua riqueza.
Em Lou Andreas Salomé - Stéphane Michaud, Ed, Asa, Lisboa, 2001 - citação
... No fundo de si mesmo, o nosso ser rebela-se em absoluto contra todos os limites. Os limites físicos são-nos tão insuportáveis quanto os limites do que nos é psiquicamente possível: não fazem verdadeiramente parte de nós. Circunscrevem-nos mais estreitamente do que desejaríamos.
Em Reflexões Sobre o Problema do Amor - ensaios da fase de sua relação amorosa com Rilke
(O ato amoroso ) ... nos enche a alma inteira (...) de ilusões e de idealizações espirituais, forçando-nos ao mesmo tempo a nos chocar brutalmente, sem possibilidade de nos esquivar, daquele que causa tamanha desordem, ao corpo.
...Pois, sobretudo, resulta no indivíduo uma espécie de interação ébria e exuberante das mais altas energias criadoras do seu corpo e a exaltação mais alta da alma. Enquanto nossa consciência se interessa vagamente, habitualmente, por nossa vida psíquica como por um mundo que conhecemos mal e que controlamos de forma ainda pior. Que ao que parece formam um , mas se desentendem . Eis que se produz subitamente entre as duas ( consciência e vida psíquica) uma tal comunhão de enervação, que todos os seus desejos, todas as suas aspirações se inflamam ao mesmo tempo.
...O mundo da criação e do amor significa: volta ao país natal, entrada no paraíso. O da impossibilidade de criar, ou do amor morto, é, ao contrário, um exílio onde os deuses nos abandonam.
...A atividade criadora se apaixona por tudo aquilo que é vida em nós, que é indício do que em nós lateja de mais secreto, e que atinge as raízes do ser. O espírito descobre forças que não possuía ou das quais não se apercebia. Pode voltar àquele estado de inocência primeira que possuiu na infância. Redescobre a novidade das coisas com o frescor de uma sensação primitiva: o olhar da criança sobre o mundo que o descobre maravilhada; o olhar de Adão diante de Eva recém-saída de si.
...Confrontado com os seus longes, o amado vê a si mesmo e ao mundo exterior como algo recém-criado. Por isso, às vezes a gente sai do amor como quem saiu de uma catedral, redescobrindo o mundo aqui fora com os olhos renovados. O ato amoroso, vivido em plenitude, obriga os amantes a concentrar em si mesmos tudo aquilo de que são capazes, passível de germinar com a força das plantas na primavera.
...Nesta igualdade original do corpo e do espírito e nesta consciência ingênua de um e de outro - uma criança que acredita em tudo que vê, para quem tudo se renovou, que cheio de uma fé e de uma confiança sem limites gostaria de gritar sua alegria ao esplendor inverossímil do mundo, e não saberia saudar de melhor modo a razão senão mostrando-lhe a língua... Como se balbuciasse em sonho o que tem a dizer a dizer sobre estes esplendores ocultos. Ái de nós, esquecer tantas coisas úteis e necessárias.
...Só aquele que permanece inteiramente ele próprio pode, com o tempo, permanecer objeto do amor, porque só ele é capaz de simbolizar para o outro a vida, ser sentido como tal. Assim, nada há de mais inepto em amor do que se adaptar um ao outro, de se polir um contra o outro, e todo esse sistema interminável de concessões mútuas... e, quanto mais os seres chegam ao extremo do refinamento, tanto mais é funesto de se enxertar um sobre o outro, em nome do amor, de se transformar um em parasita do outro, quando cada um deles deve se enraizar robustamente em um solo particular, a fim de se tornar todo um mundo para o outro.
Em Os Sentidos da Paixão - Alves Ferreira, Ed. Cia das Letras, 1987, páginas 359-373 - citação
...O ato amoroso transforma o parceiro num conto estranho e maravilhoso. A paixão é uma porta, diferente de todas as outras portas, em 'sua arquitetura ornada de elementos ricos de sentido, em virtude de um simbolismo singular'. É o caminho por excelência que nos leva a nós mesmos. Por ela nós não somos um mundo de realidade, somos apenas o espaço e o metteur-en-scène de um mundo onírico, todo-poderoso, irresistível.
Lou Andreas Salomé ( São Petesburgo, 1863 - Paris, 1937)
http://neilatavaresgeleiageral.blogspot.com/2010/08/lou-andreas-salome-vamos-parar-com-essa.html
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