Visita
O goiano é primo-irmão do povo mineiro. A culinária se parece um pouco, o temperamento. Fechado à primeira vista, pronto a se abrir no momento imediatamente seguinte. Gosta do bom-trato, da educação, do refinamento, do cuidado. “ Bom dia. Como vai o senhor?”, antes de pedir uma informação. Chegue cauteloso. Chegue respeitoso e ele se abrirá num sorriso grande, te convidará para sua casa, te levará para a cozinha, oferecerá um café e o que tiver de melhor na casa.
Entre um filme e outro, corri para visitar a pintora Goiandira do Couto.
De fama internacional, com quadros nos mais importantes museus do mundo , Goiandira não pinta com tinta. Pinta com areias da Serra Dourada, naturalmente coloridas. O pincel, só usa para a cola. Depois pulveriza a areia com os dedos, e, quando a cola puxa, retira o excesso.
Tem 94 anos. Inteiramente lúcida, não usa óculos, e tem invejável memória.
Soube que gosta de receber e de conversar, na casa em que mora e cuja “varanda” foi transformada num pequeno museu particular. Mas talvez não consiga vê-la, porque anda em crise de labirintite.
O sol de meio-dia é inclemente. Subo e desço ladeira, já sem fôlego, quase correndo ( quero estar de volta a tempo de ver o próximo filme em exibição no festival). Não avisei que ia. Procuro a casa: “Boa tarde. A senhora vai bem? Por gentileza, onde fica a casa ...?” Ah, os vilaboenses adoram isso...
Como o mineiro, ele também, quando te diz” é logo ali”, pode acreditar que você vai andar.
Há ainda uma espécie de dialeto, que custo a decifrar : "Em frente às bandeiras" significa ao lado." Quando você encontrar uma estrutura" quer dizer um prédio. Dou por isso mais voltas que as necessárias.
Finalmente, me diz um senhor: "É ali. Está vendo aquela senhora fechando a porta? Pois é ela." Estou a uns 50 metros. "Dona Goiandira, não feche ainda. Espere por mim" - grito, quase sem voz. E ela espera.
Conversa, mostra o museu. Não tem filhos, nunca se casou. Brinca: “Sou virgem. De doze de setembro”. Pintava a óleo. E um dia ouviu uma voz que lhe dizia: Pinte com areia. Subiu a Serra Dourada atrás de cores e tons. Achou mais de quinhentos tons. E também os expõe, em potes e vidros, no improvisado museu.
Enfileira os museus que tem seus quadros no mundo. São muitos.
Me chama para a cozinha e oferece pastelins de doce de leite. Doce muito gostoso da culinária local. Repito o doce. “Vou comer mais um” Ela ri, satisfeita de meu prazer com o doce.
Pergunto quem tem quadros seus no Brasil. Cita Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Dom João de Orleans e Bragança... Todos a visitaram.
Conversamos em uma grande mesa, forrada com toalha branca de renda. Diz que ali, naquela mesma mesa, comeram príncipes, adidos, embaixadores, autores e artistas desde o tempo de seu pai, um intelectual importante.
Despedimo-nos na porta com um abraço quente, inteiro, demorado, de velhas amigas. Volto para o cinema e depois para o hotel, e só então vejo que não estão boas as fotos que fiz lá.
O encontro com a pintora foi tão bom que não queria perder o momento, esquizofrenizada entre ser eu mesma e também ser repórter. Aproveitei o aqui-e-agora e fotografei sem atenção, mecanicamente, e só por vício. Resultado: sem boas fotos.
Na hora de postar, procurei seu nome na internet. Vi muita coisa lá que podia arrastar para o blogue. Mas acabei ficando mesmo com as fotos feitas por mim, de pouca qualidade. Dizem melhor do momento.
Areias da Serra Dourada que Goiandira utiliza para pintar seus quadros
Os tons são naturais, sem qualquer pigmento. Ela mostra uma infidade de tons de verde, que vão do quase preto ao quase branco, passando por tons azulados, amarelados, amarronzados... O mesmo com o bege e com o roxo e lilás.


Minhas fotos insatisfatórias de seus quadros, expostos na parede de seu museusinho particular e doméstico, em posição difícil para a câmera, e com luz inadequada.


Conheça mais o trabalho de Goiandira, em seu site oficial.


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