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19 de set. de 2010

ERÓTICA É A ALMA


VIA EMAIL

Este texto chegou num email, PPS. É de Rubem Alves, e bem legal. Os grifos são meus. Mania de ler tudo grifando as coisas que eu gosto mais ou que não quero esquecer.






Rubem Alves é educador, escritor, psicanalista, poeta, professor emérito da UNICAMP. E esse moço aí ao lado , de tão belo sorriso.




Relacionamentos

Depois de muito meditar sobre o assunto, conclui que os casamentos ( relacionamentos) são de dois tipos: Há os casamentos do tipo tênis e os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e de ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.

Explico-me.

Pra começar, uma afirmação de Nietzsche com a qual concordo inteiramente. Diz ele: Ao pensar na possibilidade de casamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: 'Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice?'

Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construidas sobre a arte de conversar.

Sheerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme O Império dos Sentidos.

Por isso, quando o sexo já estava morto na cama e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava através da magia da palavra: começava uma longa conversa que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava suas palavras como se fosse música.
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A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma de eternidade:é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer.

Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E, contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo 'Eu te amo'. Barthes advertia: " Passada a primeira confissão, 'eu te amo' não quer dizer mais nada . É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética".

Recordo a sabedoria de Adélia Prado: "Erótica é a alma" .
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O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o outro. E a derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua 'cortada', palavra muito sugestiva, que indica que o seu objetivo sádico, que é de cortar, interromper, derrotar.

O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora do jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.

O frescobol se parece muito com o tênis. Só que, para o jogo ser bom é preciso que nenhum dos dois perca.
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Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito, a gente sabe que não foi de propósito.e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado.Aqui os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra, porque o que se deseja é que ninguém erre. E o que errou pede desculpas e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância, começa-se de novo esse deliciosos jogo em que ninguém narca pontos...
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A bola: são nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá...
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Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a 'cortada'.Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão...O que se busca é ter razão e o que se encontra é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde...

Já no frescbol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado pois se sabe que, se é sonho é coisa delida, do coração...
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O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaço para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor.
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Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, para que o jogo não tenha fim...



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