Fim de um caso de amor inspira obras catárticas
Eles foram as maiores celebridades do último FLIP – Festa Literária de Paraty ( 2009), botando Chico Buarque no chinelo. Enormes filas se formaram para comprar seus livros e obter seus autógrafos. O livro dele esgotou-se lá mesmo. Ela, segundo o boletim SaraivaConteúdo, chegou a desmaiar duas vezes de cansaço, tal foi o assédio de midia e público.Você, provavelmente já conhece parte desta história.
Quem são eles?
No site oficial do FLIP( http://www.paraty.com.br/flip/autores.asp ) são assim apresentados:
ELA
Sophie Calle (1953, Paris, França) - é a mais destacada artista conceitual francesa. Suas obras costumam enfatizar o contraste entre as vidas particular e pública e misturar realidade e ficção. Em Suite vénetienne (1979), seguiu um homem de Paris até Veneza, fotografando-o em segredo durante duas semanas. Com frequência coloca-se como objeto das instalações e expõe sua vida particular com pleno desapego à privacidade. É o caso de Prenez soin de vous (2007), que ganha mostra no Brasil neste ano. Paul Auster inspirou-se na figura da artista para criar Maria Turner, personagem do romance Leviatã (1992). Sophie Calle já expôs em museus como Tate Modern, MoMA, Guggenheim e no Centro Pompidou. Publicou os livros Exquisite pain (2004) e Double game (2007), entre outros.
ELE
Grégoire Bouillier - Depois de viver nas ruas, ser pintor e virar jornalista, Grégoire Bouillier (1960, Tizi-Ouzou, Argélia) decidiu contar a história de sua vida errante em Rapport sur moi (2002), com o qual venceu o Prix de Flore. Em seguida escreveu o cultuado L’invité mystère (2004), balanço de sua experiência como parte de um projeto da artista conceitual francesa Sophie Calle – com quem divide a mesa na FLIP. Neste trabalho, aceita a proposta de uma ex-namorada para ser o convidado misterioso em uma festa na casa da artista. O livro foi traduzido para inglês, italiano, alemão e espanhol. Bouillier publicou seu primeiro romance em 2008, Cap Canaveral, sobre um encontro entre um escritor maduro e uma jovem admiradora.
Em comum
Ele, o escritor, costuma escrever textos auto-biográficos, tendo sido inclusive processado pelos pais que pediam indenização, após o lançamento de Raport sur Moi.
Ela, a artista plástica, tem como marca trabalhos conceituais sobre a própria intimidade. A crítica francesa Cécile Camart comenta: "A dimensão narrativa de suas instalações, misturando fotografia, textos e objetos, remete à primeira metade da década de 70, em que jovens artistas como Christian Boltanski propuseram uma arte das pessoas, das coisas e das situações, que abrange um vasto leque da vida cotidiana real ou imaginária". O jornal inglês The Guardian apelidou Sophie Calle de “o Marcel Duchamp da roupa suja emocional”.
A história dos dois
Sophie vivia um romance com Grégoire, quando um dia recebeu dele de surpresa um email de rompimento.
A carta dele
" Há algum tempo, venho querendo responder seu último e-mail. Na verdade, preferia dizer o que tenho a dizer de viva voz. No entanto, vou fazê-lo por escrito. Você já pôde notar que não estou bem ultimamente. É como se não me reconhecesse em minha própria existência. Sinto uma espécie de angústia terrível, contra a qual não consigo fazer grande coisa, exceto seguir adiante para tentar superá-la. Quando nos conhecemos, você impôs uma condição: não ser a 'quarta'. Eu mantive o meu compromisso: há meses deixei de ver as 'outras', não achando logicamente um meio de vê-las sem transformar você em uma delas. Pensei que isso bastasse. Pensei que amar você e que o seu amor - o mais benéfico que jamais tive - seriam suficientes. Pensei que assim aquietaria a angústia que me faz sempre querer buscar novos horizontes e me impede de ser tranqüilo ou simplesmente feliz e 'generoso'. Pensei que a escrita seria um remédio, que meu desassossego se dissolveria nela para encontrar você. Mas não. Estou pior ainda; não tenho condições nem sequer de lhe explicar o estado em que mergulhei. Então, nesta semana, comecei a procurar as 'outras'. Sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo estou entrando. Nunca menti para você e não é agora que vou começar.Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta (já que você ainda vê B., R.,...) e compreensível (obviamente...).Com isso, jamais poderia me tornar seu amigo. Você pode, então, avaliar a importância de minha decisão, uma vez que estou disposto a me curvar diante de sua vontade, ainda que deixar de ver você e de falar com você, de apreender o seu olhar sobre os seres e a doçura com que você me trata sejam coisas das quais sentirei uma saudade infinita. Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você do modo que sempre amei desde que nos conhecemos, e esse amor se estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá.Mas hoje seria a pior das farsas manter uma situação que, você sabe tão bem quanto eu, se tornou irremediável, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro. E é justamente esse amor que me obriga a ser honesto com você mais uma vez, como última prova do que houve entre nós e que permanecerá único. Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente. Cuide-se."
Sophie em depressão, depois da carta de rompimento de Grégoire
Cuidando-se
A última recomendação do remetente, Cuide-se, ou Cuida de Você ( no original, Prenez Soins de Vous, ou ainda Take Care of Your Self ,como passaria a ser conhecida a carta internacionalmente) – nominaria um trabalho de Sophie. Uma instalação que representou a França na Bienal de Veneza 2007, chegou ao Brasil ( SESC POMPÉIA, SP e MAM Bahia, Salvador) em 2009, promovida pela Assoviação Cultural Videobrasil, e continua ainda agora a rodar o mundo.
Diz Sophie em seu site: Recebi uma carta de rompimento. E não soube respondê-la. Era como se ela não me fosse destinada. Ela terminava com as seguintes palavras: “Cuide de você”. Levei essa recomendação ao pé da letra. Convidei 107 mulheres, escolhidas de acordo com a profissão, para interpretar a carta do ponto de vista profissional. Analisá-la, comentá-la, dançá-la, cantá-la. Esgotá-la. Entendê-la em meu lugar. Responder por mim. Era um maneira de ganhar tempo antes de romper. Uma maneira de cuidar de mim.
A Exposição
Com o registro em vídeo, fotos, objetos, etc, da interpretação e respostas destas mulheres à carta do ex-namorado , Sophie criou uma instalação. Uma delegada propunha tratar a carta como parte de um inquérito policial, uma psicanalista oferecia a visão analítica, uma editora comentava o pouco valor literário do documento, uma palhaça o interpretava , uma dançarina e uma cantora dançavam e cantavam seus sentimentos diante do remetente, a criminalista apontava: “um manipulador, um sedutor, cujas relações com os outros se baseiam em domínio e ascendência”. A mãe de Sophie também foi ouvida, uma adolescente, uma menina de nove anos.
Cuida de Você - Detalhes da exposição
(postado por gcoultersmith -25 de agosto de 2007)
Neste outro vídeo do Youtube (abaixo), a peça de venda da exposição no Brasil, também produzida por Sophie, veiculada nas TVs.
Metrô
Veja mais
Bienal de Veneza - http://www.youtube.com/watch?v=KAZtzI0cJQ8
Interação
Interativa, a exposição propõe que o público participe enviando novas interpretações da carta, em depoimentos, comentários, conselhos, fotos, etc. Uma mulher compara a carta à devastação feita por um elefante bravio. Outra, incentiva Sophie a olhar para a frente.
E a totalidade desta correspondênciapode ser vista em http://blog.sophiecalle.com.br/
Janaina Pacco Mendes compara a carta à corrida de um elefante selvagem
E ele?
Uma questão aparece discutida na internet em diversos sites e blogs. Teria Sophie o direito de expor publicamente o ex-namorado desta forma? Uns afirmam que sim, outros que não, mas Grégoire , ele mesmo, parece não ter tido muito do que reclamar.
Encontro em Paraty
Na FLIP- 2009, os dois se encontraram, ele com seu novo livro lançado no Brasil, O Convidado Supresa ( Cosac Naif, 2009), no qual conta como se conheceram, numa festa de aniversário de Sophie em que ele apareceu sem ser esperado. Ela, com o livro Histórias Reais ( Agir,2009). Na sala de debates Tenda dos Autores, os dois têm seu primeiro encontro público, depois do rompimento. Dizem as reportagens que, fora algumas farpas trocadas, o encontro foi bem. Ela avalia: “Quem ganhou o debate? Foi empate”.
Jogada de marketing? Eles dizem que não. Difícil acreditar. O livro de Grégoire esgotou-se em duas horas.
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