José Augusto Ribeiro
(autor convidado)
Nada expõe com mais nitidez e crueza a demência e a irresponsabilidade do arrastão neo-liberal que precipitou o mundo na crise destes dias (e certamente dos próximos anos) do que alguns episódios menores da crise, aos quais a mídia brasileira não tem dado atenção. Um deles:
O Procurador-Geral do Estado de Nova York, Andrew Cuomo, iniciou procedimentos judiciais contra John Thain, ex-presidente do Merrill Lynch, por ter distribuído 4 bilhões (bilhões!) de dólares em bônus a membros da diretoria do banco no mesmo momento em que este quebrava e era comprado pelo Citigroup (ex-Citi Bank), em operação garantida por uma montanha de dinheiro do governo dos Estados Unidos.
Thain, acreditando estar diante de uma boa oportunidade de defesa, aceitou ser entrevistado por Maria Bartiromo, do canal de televisão CNBC, que lhe perguntou, entre outras coisas, como poderia justificar o milhão de dólares que gastara para redecorar seu escritório no banco, sendo 28 mil dólares em cortinas, 87 mil por um par de cadeiras, 13 mil por um lustre, 37 mil por seis outras cadeiras, 35 mil por um cômoda e 1.400 por uma cesta de lixo de pergaminho. Resposta: o escritório anterior era muito desconfortável.
Essa mesma mentalidade - obtusa, vulgar e criminosa - espalhou-se pelo mundo e aqui no Brasil, por exemplo, resultou na derubada de um reitor da Universidade de Brasília, que montara uma residência oficial repleta de extravagâncias caríssimas, inclusive uma cesta de lixo talvez de pergaminho...
E nem a tempestade destes dias esfriou a cabeça desses executivos. Há dois dias, o governo de Barack Obama teve de dar um chega prá lá na direção do Citigroup. Depois de receber bilhões de dólares para cobrir a compra do Merril Lynch, e de pedir outros bilhões para "digerir" a operação, o Citi comprou um jato executivo de 50 bilhões de dólares. Assim que pôde assumir o cargo, depois de uma demorada confirmação pelo Senado, o novo Secretário do Tesouro, Timothy Geithner, proibiu que esse jato levantasse vôo.
Segundo Maureen Dowd, do New York Times, em cuja coluna peguei pela internet as informações acima, os americanos escaparam de coisa pior. Se Obama tivesse perdido a eleição, esse Thain seria provavelmente o Secretário do Tesouro do candidato de Bush e dos republicanos, o Senador John McCain. E o governo americano, para começo de conversa, teria de gastar mais um milhão de dólares para redecorar seu gabinete.
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* a José Augusto Ribeiro - jornalista, autor dos livros A ERA VARGAS e JÂNIO QUADROS E JOSÉ APARECIDO - O ROMANCE DA RENÚNCIA entre outros, o Geléia Geral agradece a colaboração exclusiva ..
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