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Termino de ler Camus. Como fiz com o Rio de Janeiro, transcrevo aqui algumas de suas impressões sobre as outras cidades brasileiras que visitou naquele ano de 1949. Recife – Olinda, São Paulo e Salvador. E sobre o Brasil, em geral. Deixo de fora Porto Alegre, porque são incipientes suas anotações sobre a cidade. Estava cansado e impaciente, quando a viu ( Camus repete no livro que não queria fazer essa viagem à América do Sul, sem explicar as razões).
Em grifo (negrito), ainda, palavras e nomes tal como os grafou, e que a tradução teve o bom-gosto de não interferir.
Recife-Olinda:
...Quando aterrissamos em Recife, após quatro horas e meia, a porta do avião se abre sobre uma terra vermelha, devorada pelo calor. É bem verdade que estamos novamente no Equador.
...Igrejas coloniais admiráveis, onde domina o branco, em que o estilo jesuíta é iluminado e tornado mais leve pela caiação. O interior é barroco, mas sem o excessivo peso do barroco europeu.
...Admiro a cidade antiga, as casinhas vermelhas, azuis e ocre, as suas calçadas com grandes pedras pontiagudas. A praça da igreja de San Pedro. Como a igreja se encontra ao lado de uma fábrica de café, está completamente escurecida pela fumaça dos torradores. Está literalmente patinada de café.
Salvador:
... A terra é totalmente vermelha. Bahia, onde só se vêm negros, parece-me uma imensa casbah fervilhante, miserável e suja.
...Comemos pratos tão apimentados que fariam andar paralíticos.
...As igrejas, são as mesmas do Recife.
... anoto alguns trechos do regulamento do Palace Hotel da Bahia em francês: “ Todos falam francês no Brasil”, diz a propaganda.
Levado a uma macumba ( a segunda. Fora a uma no Rio), Camus descreve todo o rito. Mas não se deixa impressionar. Coclui: ... “Os ritos degradados exprimem-se em danças medíocres” . Mas este candomblé aparece no seu livro A Pedra que Cresce (O Exílio e o Reino).
São Paulo:
... São Paulo, cidade estranha. Oran desmedida.
... Às 3 horas, levam- me, não sei porque, à penitenciária da cidade, “ a mais bela do Brasil”. É bela, na verdade, como um presídio de filme americano. A não ser pelo cheiro horrível do homem, que se impregna em todas as prisões... E, de quando em quando, um letreiro “Seja bom”, e, sobretudo, “Otimismo”... Alguém me diz, ao sair, a fórmula ritual: “Aqui você está em sua casa”
Após minha conferência, Andrade ( Oswald) me ensina que, no presídio modelo, já se viram detentos suicidarem-se batendo a cabeça contra as paredes e apertando a garganta numa gaveta até a asfixia.
Brasil:
... Mas este barroco harmonioso repete-se muito. Finalmente, é a única coisa a ser vista neste país, e isso se vê depressa. Resta a vida verdadeira. Mas sobre esta terra imensa, que tem a tristeza dos grandes espaços, a vida é a nível do chão e seriam necessários muitos anos para a ela integrar-se. Será que tenho vontade de passar alguns anos no Brasil? Não.
(Teresópolis) ... Compreende-se ainda aqui o que me impressionava, quando sobrevoava este país. Imensas áreas virgens e solitárias junto às quais as cidades, agarradas ao litoral, são apenas pontos sem importância. A todo momento, este enorme continente sem estradas, todo entregue à selvageria natural, pode voltar-se e recuperar essas cidades falsamente luxuosas.
... Observo mais uma vez a polidez brasileira, talvez um pouco cerimoniosa, mas que, mesmo assim, é melhor que a grosseria européia.
... País em que as estações se confundem umas com as outras; onde a vegetação inextrincável torna-se disforme; onde os sangues se misturam a tal ponto que a alma perdeu seus limites. Um marulhar pesado, a luz esverdeada das florestas, o verniz de poeira vermelha que cobre todas as coisas, o tempo que se derrete, a lentidão da vida rural, a excitação breve e insensata das grandes cidades – é o país da indiferença e da exaltação. Não adianta o arranha-céu, ele ainda não conseguiu vencer o espírito da floresta, a imensidão, a melancolia. São os sambas, os verdadeiros, que exprimem melhor o que quero dizer.
... O Brasil com sua fina armadura moderna, como uma chapa metálica sobre esse imenso continente fervilhante de forças naturais e primitivas, me faz pensar num edifício, corroído cada vez mais de baixo para cima por traças invisíveis. Um dia o edifício desabará, e todo um pequeno povo agitado, negro, vermelho e amarelo espalhar-se-á pela superfície do continente, mascarado e munido de lanças, para a dança da vitória.
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