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12 de nov. de 2008

É longo mas é bacana



A Carta de Seatle

Pois é. Há uns trita anos, quando a consciência ecológica dava ainda seus primeiros passos entre nós, um texto rolava de mão-em-mão, mimeografado ou impresso em papel barato, no verso de algum folheto de propaganda ou panfleto político, e alcançou uma grande divulgação.
É A Carta de Seatle.

Nunca consegui saber se é um documento autêntico ou apócrifo, nem a data exata em que foi escrito, nem a que chefe indígena é atribuído ou a que Presidente americano se dirigia. Na cópia que ainda guardo, amarelada, há um único registro: século 19.

Seja como for, é um grande texto, e vale a pena revê-lo agora.


A carta:

O Grande Chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar nossa terra. O Grande Chefe assegurou-nos também sua amizade. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que não precisa de nossa amizade.

Vamos, porém, pensar em sua oferta, pois sabemos que, se não o fizermos, o homem branco virá com suas armas e tomará nossa terra. O Grande Chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seatle diz, com a mesma certeza que nossos irmãos brancos podem confiar nas estações do ano. Minha palavra é como as estrelas – ela não empalidece.

Mas como se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia nos é estranha. Se não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água, como se pode comprá-los?

Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo. Cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada véu de neblina na floresta escura, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência de meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega as recordações do homem vermelho.


O homem branco esquece a sua terra natal, quando – depois de morto - vai vagar entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta formosa terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia – são nossos irmãos. As cristas rochosas, os sumos das campinas, o calor que emana do corpo de um mustangue e o homem – todos pertencem à mesma família.

Portanto, quando o Grande Chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, ele exige muito de nós. O Grande Chefe manda dizer que irá reservar para nós um lugar em que possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, vamos considerar a sua proposta de comprar nossa terra. Mas não vai ser fácil. Porque esta terra é sagrada para nós.

Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas o sangue de nossos ancestrais. Se vendermos a terra, terás de lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar da água é a voz do pai de meu pai.

Os rios são nossos irmãos, apagam nossa sede. Os rios transportam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se te vendermos nossa terra, terás de lembrar a teus filhos que os rios são irmãos nossos e teus, e terás que dispensar aos rios a afabilidade que dispensarias a um irmão.

Sabemos que o homem branco não compreende nosso modo de viver. Para ele, um lote de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de a conquistar ele vai embora. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e nem se importa. Ficam esquecidos a sepultura de seu pai e o direito de seus filhos à herança. Ele trata sua mãe – a terra – e seu irmão – o céu – como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelha ou miçanga cintilante. Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto.

Não sei. Nossos modos de vida são diferentes dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento ao homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada entende.

Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das asas de um inseto. Mas talvez isso seja mesmo assim, e eu um selvagem que nada entende. O barulho parece apenas insultar o ouvido E que vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz solitária do curiango, ou, de noite, a conversa dos sapos em volta do brejo? Sou um homem vermelho e nada compreendo. O índio prefere o suave sussurro do vento a sobrevoar a superfície de uma lagoa e o cheiro do próprio vento purificado por uma chuva do meio-dia ou recendendo a pinheiro.

O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas respiram em comum – os animais, as árvores, o homem. O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia ele é insensível ao ar fétido. Mas se te vendermos nossa terra terás que lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida também recebe seu último suspiro. E se te vendermos nossa terra deverás mantê-la como um santuário, um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento adoçado com a fragrância das flores campestres.

Assim, pois, vamos considerar tua oferta para comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, farei uma condição. O homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.

Sou selvagem e desconheço que possa ser de outro jeito. Tenho visto milhares de bisões apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abateu a tiros, com o trem disparado em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante que o bisão que nós – os índios – matamos apenas para o sustento de nossa vida.

O que é o homem sem animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais logo acontece ao homem. Tudo está relacionado entre si.

Deves ensinar a teus filhos que o chão debaixo de seus pés são as cinzas de nossos antepassados. Para que tenha respeito aos pais, conta a teus filhos que a riqueza da terra são as vidas das parentela nossa. Ensina a teus filhos o que temos ensinado aos nossos, que a terra é nossa mãe. Tudo quanto fere a terra fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão cospem sobre eles próprios.

De uma coisa sabemos. A terra não pertence ao homem; é o homem que pertence à terra. Disto temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si.

Tudo quanto agride a terra agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida. Dela, ele é meramente um fio. Tudo que fizer à terra a si mesmo fará.

Nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E, depois da derrota, passam o tempo em ócio, envenenando seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes.

Não tem grande importância onde passaremos nossos últimos dias – eles não são muitos. Mais algumas horas, mesmo uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra, ou que têm vagueado em pequenos bandos por estes bosques, sobrará, para chorar sobre os túmulos um povo que um dia foi tão poderoso e confiante como o nosso.

Nem o homem branco, cujo Deus com ele passeia e conversa de amigo-para-amigo, pode ser isento deste destino comum. Poderíamos ser irmãos, apesar de tudo. De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha um dia a descobrir: nosso Deus é o mesmo Deus. Talvez julgues agora que O possas possuir, do mesmo jeito como desejas possuir nossa terra; mas não podes. Ele é o Deus de toda a humanidade e é igual Sua piedade para com o homem vermelho e o homem branco. Esta terra é querida por Ele e causar mal à terra é cumular de desprezo seu Criador. Os brancos também vão acabar; talvez mais cedo que todas as outras raças. Continua poluindo a tua cama e hás de morrer uma noite sufocado em teus próprios dejetos!

Porém, ao perecerem, vocês brilharão com fulgor, abrasados pela força do Deus que os trouxe a este país, e, por algum desígnio especial, lhes deu o domínio sobre esta terra e sobre o homem vermelho. Esse destino para nós é um mistério, pois não podemos imaginar como será quando todos os bisões tiverem sido massacrados, os cavalos bravios domados, as brenhas das florestas carregadas do odor de muita gente, e a vista das velhas colinas empanadas por fios que falam. Onde ficará o emaranhado da mata? Terá acabado. Onde estará a águia? Acabará. Restará dar adeus à andorinha e à caça. O fim da vida, e o começo da luta para apenas sobreviver.

Compreenderíamos, talvez, se conhecêssemos com o que sonha o homem branco, se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, que visões do futuro oferece às suas mentes para que possam formar desejos para o dia de amanhã. Somos, porém, selvagens. Os sonhos do homem branco são, para nós, ocultos. E por serem ocultos temos que escolher nossos próprios caminhos. Se consentirmos, será para garantir as reservas que nos prometeste. Lá, talvez possamos viver nossos últimos dias conforme desejamos.

Depois que o último homem vermelho tiver partido e sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima da pradaria, a alma de meu povo continuará vivendo nestas florestas e praias, porque nós as amamos, como ama um recém-nascido o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos nossa terra, ama-a como nós a amamos. Protege-a como nós a protegíamos antes de ti. Nunca esqueças como era esta terra quando dela tomaste posse. E, com toda a tua força, o teu poder e todo o teu coração, conserva-a para teus filhos e ama-a como Deus nos ama a todos.

De uma coisa sabemos: nosso Deus é o mesmo Deus. E esta terra é por Ele amada. Nem mesmo o homem branco poderá mudar o destino comum de todas as coisas.






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