“Hoje é sempre. Porque as rosas caem...”
Hospício é Deus
Hospício é Deus ( Círculo do Livro - 1965) é um livro inesquecível. Sem reedições, só é encontrado hoje nos sebos, nas listas de 'raros'. Na internet, Estante Virtual, que reune algumas centenas de sebos de todo o país, oferece com alguns exemplares.
Maura Lopes Cançado, jornalista mineira, nascida em 1930, internada sob diagnóstico de esquizofrenia no final dos anos 50, início dos 60, depois de já ter peregrinado por tantos outros hospícios. No asilo, matou uma companheira de quarto durante um surto paranóico, e, considerada inimputável, foi transferida para o Manicômio Judiciário. Saiu alguns anos depois para um pequeno apartamento em Copacabana, onde continuou a viver sua saga até o fim da vida, lutando contra ‘inimigos invisíveis’. Morreu de infarto, aos 64 anos, em 1993.
“Estou no Hospício, deus. E hospício é este branco sem fim, onde nos arrancam o coração a cada instante, trazem-no de volta, e o recebemos; trêmulo, exangue — e sempre outro.”
Uma geração genial
Maura pertenceu a uma geração importante dos áureos tempos do Jornal do Brasil, ao lado de jornalistas como Ferreira Gullar, Reynaldo Jardim, José Louzeiro, Carlos Heitor Cony ... Juntos fizeram o inesquecível Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, que formou gerações de autores e jornalistas.
No hospício, produziu este livro, de 1965. Uma espécie de diário - obra bem escrita ( Maura foi sempre admirada pela qualidade de seu texto), plena de poesia, documento importante para a compreensão das doenças psico-emocionais e de sua História ( remonta à época dos manicômios no Brasil).
Inteligente, sensível, por vezes extraordináriamente lúcida, Maura, em sua história pessoal , serve também hoje ao estudo do comportamento do Judiciário à época em relação aos crimes de mesma natureza.
"Devo escrever sempre no princípio de cada página do meu diário que sou uma psicopata. Talvez esta afirmação venha a despertar-me, mostrando a dura realidade que parece tremular entre esta névoa longa e difícil que envolve meus dias, me obrigando a marchar, dura e sacudida — e sem recuos."
"Estou no hospício, deus. E hospício é este branco sem fim, onde nos arrancam o coração a cada instante, trazem-no de volta, e o recebemos: tremulo, exangue — e sempre outro. Hospício são as flores frias que se colam em nossas cabeças perdidas em escadarias de mármore antigo, subitamente futuro — como o que não se pode ainda compreender. São mãos longas levando-nos para não sei onde — paradas bruscas, corpos sacudidos se elevando incomensuráveis: hospício é não se sabe o quê, porque hospício é deus".
"Estou no Hospício. O desconhecimento me cerca por todos os lados. Percebo uma barreira em minha frente que não me deixa ir além de mim mesma. Há nisto tudo um grande erro. Um erro? De quem? Não sei. Mas de quem quer que seja, ainda que meu, não poderei perdoar. E terrível, deus. Terrível.
Faz muito frio. Estou em minha cama, as pernas encolhi¬das sob o cobertor ralo. “Escrevo com um toquinho de lápis em¬prestado por minha companheira de quarto, dona Marina. O quarto é triste e quase nu: duas camas brancas de hospital. Meu vestido é apenas o uniforme de fazenda rala sobre o corpo. Não uso soutien, lavei-o, está secando na cabeceira da cama. Encolhida de frio e perplexidade, procuro entender um pouco. Mas não sei. É hospício, deus — e tenho frio.”
Hospício é Deus
Acima, Maura lopes Cançado
Se quiser ler mais sobre Maura Lopes Cançado e sua obra, aqui vão alguns links:
http://www.dopropriobolso.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=168:a-sofredora-do-ver-maura-lopes-cancado&catid=45:obras-literarias&Itemid=56
http://www.dopropriobolso.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=181:para-compreender-maura-lopes-cancado&catid=49:poesia&Itemid=56
http://cutter.unicamp.br/document/?code=000479398
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