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5 de out. de 2010

OS DOIS SCHREBER - PARTE II: O FILHO

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Veja antes Os Dois Screber - Parte I: O Pai
http://neilatavaresgeleiageral.blogspot.com/2010/10/os-dois-schreber-parte-i-o-pai.html


Daniel Paul Schreber
Memórias da Loucura



Daniel nasceu em Leipzig, em 1842, morreu no ano de 1911 num asilo para doentes mentais em Leipzig-Dosen. Advogado bem-sucedido, com doutorado em Jurisprudência, casado, descrito pela filha adotiva como "um pai amoroso, justo, gentil", começou a certa altura a sofrer crises depressivas, com insônia e incapacidade para o trabalho. As tres primeiras, justificadas por situações de perdas , como morte da mãe, suicídio do irmão, perda das eleições em que se apresentara candidato, doença cárdio-vascular da mulher.

Sabine, diabética, teve ainda seis abortos espontâneos ou natimortos, o último dos quais teria hipoteticamente causado o terceiro episódio de depressão de Daniel, mais rigoroso que os dois anteriores, até então considerados moderados, embora se registrasse uma tentativa de suicídio.

A quarta crise, deu-se imediatamente após sua promoção a juiz do Supremo Tribunal de Dresden, no ápice de sua carreira , em 1893. Veio severa, com características psicóticas, marcada por alucinações, devaneios, e resultou em internações, de asilo em asilo, por treze anos e até sua morte.

As Memórias de Daniel

Daniel sentia-se lúcido, apesar de tudo. "Minha mente é tão clara quanto a de qualquer outra pessoa." (07: M., p. 366)"... pretendo que me sejam reconhecidas duas capacidades: por um lado, um inquebrantável amor à verdade, e por outro um dom de observação fora do comum" (08: M., p. 234)

E decidiu escrever, a partir de 1884 , suas experiências com a doença mental, considerando que estas poderiam vir a ser úteis a alguém em algum momento, ao mesmo tempo em que nelas acreditava como uma forma de autodefesa num processo jurídico com o qual esperava libertar-se do santório e ter restituídos seus direitos civis. O volumoso livro foi lançado em 1903 - Memórias de Minha Doença Nervosa ( Memoirs of My Nervous Illness) - uma obra-prima, que se tornaria um clássico no gênero. E documento inestimável para a compreensão da mente.


Alucinações, delírios, messianismo

Em conturbado processo psicopatológico, Daniel projetou no diretor da Clínica Psiquiátrica de Leipizig sentimentos inequivocamente homossexuais , misturando amor , ódio e fantasias de perseguição. O Dr Paul EmileFlechsig , daí em diante, se tornaria um dos principais personagens de Memórias, jamais deixando de fazer parte de seu universo.

Entre as muitas alucinações de Daniel , a mais contundente e recorrente era a de que ele possuía um grande útero. Deus vinha, então, com Seu enorme falos em forma de luzes, fertilizá-lo para que desse à luz um um Redentor, que daria origem a uma super-raça humana.

Desenvolveu, em contato direto com Deus "por meio dos nervos" ( expressão que usou com frquência), uma intrincada teologia. Seu Deus era imperfeito, mau, não entendia os humanos e, como o Dr. Flechsig ,também o amava, odiava ,perseguia, e, debochado, o chamava de 'senhorita', exigindo sua emasculação.

"Uma vez tive uma sensação que me perturbou da maneira mais estranha quando pensei nela depois em estado de vigília. Era a idéia de que deveria ser realmente belo ser uma mulher se submetendo ao coito. Essa idéia era tão alheia a todo o meu modo de sentir que, permito-me afirmar, em plena consciência eu a teria rejeitado com tal indignação que de fato, depois de tudo o que vivi nesse ínterim, não posso afastar a possibilidade de que ela me tenha sido inspirada por influência de forças exteriores." (Capítulo IV das Memórias)


E Freud com isso?

Freud leu as Memórias de Daniel, a ele apresentadas por Jung, em Roma, 1910, enquanto pesquisava os estados paranóicos. O pai de Daniel, Moritz Schreber, era, naturalmente, uma figura pública, cujo pensamento Freud bem conhecia . Com base nestas duas personagens , pode confirmar o que já vinha então pensando acerca da relação paranóia-sexualidade e a função paterna .Em 1911, quando Daniel morreu, o relato de Freud sobre seu caso já estava no prelo.

A crise de identidade sexual de Daniel, Freud a atribuiu à figura do pai, castrador e autoritário.
Os dois Schreber aparecerão em dezenas de textos freudianos , exemplificando o papel do pai na formação da personalidadedo indivíduo.

Memórias, em sua lógica da ilógica, incluia neologismos próprios, os chamados schreberismos, cono o 'assassinato da alma', também adotados por Freud na Psicanálise.

Controvérsias na Psicanálise

As contorvérsias sobre o Caso Daniel Schreber, na Psicanálise,
começaram já no momento em que Freud lançou suas notas sobre o caso: Observações Psicanalíticas Sobre a Autobiografia de
Um Caso de Paranóia.

Jung admitiu mais tarde que ali pode constatar que seu caminho e o de Freud se distanciavam. Discordâncias que permaneceram ao longo de toda a História da Psicanálise, atravessando Lacan, Melanie Klein e outros.

As principais críticas feitas a Freud no Caso Schreber são de excessiva ênfase na libido para a compreensão da paranóia e, de novo excessiva, atribuição da responsabilidade paterna na formação das personalidades psicóticas, deixando talvez de levar em conta fatores sociais. No Caso Schreber, o avanço do nazismo, o male siècle, o surgimento de novas identidades sexuais, a multiplicação de seitas apocalípticas e messiãnicas...

Melanie Klein lembra que a crise que leva Daniel em definitivo a atravessar o umbral da loucura deu-se no momento em que recebia não-ambicionada promoção ao Supremo Tribunal, que lhe fora anunciada em visita do próprio Ministro da Justiça, e que lhe dava um grande poder junto ao poder totalitário que se firmava na Alemanha àquela data.

O Filme

Paul Schreber foi vivida no cinema pelo ator Jefferson Mays ( Tony Award- Melhor Ator - 2007), em filme dirigido por Julian Hobbs, em 2006. Joe Coleman vive Moritz Schreber.

Memoirs of My Nervous Illness - Trailer


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“Os homúnculos que se ocupavam de abrir e fechar os olhos ficavam em cima dos olhos, nos supercílios e de lá puxavam as pálpebras para cima e para baixo, a seu bel-prazer, servindo-se de fios muito finos, semelhantes a fios de teia de aranha. (...) Quando às vezes eu não queria permitir este levantar e abaixar de minhas pálpebras, e reagia contra isto, esta atitude provocava a indignação dos "homúnculos" (...) Quando às vezes eu tentava limpá-los de meus olhos com uma esponja, isto era considerado pelos raios como uma espécie de crime contra o poder milagroso de Deus.” ( Memórias)






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