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14 de mar. de 2009

Os personagens surreais do futebol de Nelson Rodrigues


E a Volta do Sobrenatural de Almeida



Nelson Rodrigues justificava sua paixão pelo futebol nos seus aspectos mais surreais. Era a força do sobrenatural, para ele, que fazia com que um time perdesse tendo tudo para ganhar do adversário. Ou que o mais bonito gol preparado terminasse com bola na trave, ou ainda que, numa mesma partida, tudo acontecesse em prejuízo de uma equipe, o melhor jogador se machucasse, o segundo melhor fosse expulso de campo, ou o juiz não marcasse o pênalti evidente. O lado transcendental, que os idiotas da objetividade eram incapazes de ver, para Nelson, era a razão da paixão de uma vida.


A segunda grande razão era o torcedor, com suas manias, seus comportamentos, ritos, linguagem, com a sua fúria apaixonada pelo time, ou por um jogador. Em cima destes, Nelson criou alguns personagens fantásticos, como o Ceguinho Torcedor, que é cego, vai de bengala para o Maracanã, mas discute o jogo, “foi pênalti, não foi pênalti”, porque, se não vê com os olhos dos olhos, vê com os do coração. Como todo torcedor.



Já o Sobrenatural de Almeida mistura os “mistérios naturais” do jogo e o torcedor. Pobre, amargo,rancoroso, abjeto, desdentado, manco, morando num quarto apertado de uma cabeça-de-porco num subúrbio carioca, onde o calor é tão grande que não para de se abanar com a Revista do Rádio,Sobrenatural de Almeida manipula os jogos, de forma a prejudicá-los sempre , de um lado ou de outro. Escolhe a vítima e vai. Faz o jogador pisar em falso, distrai o juiz, desvia a bola.O que lhe importa é azarar o jogo. E assim, de raspão, Nelson também caricatura um tipo de torcedor pesado, pé-frio, que no íntimo torce para que tudo “não dê certo”. Sobrenatural é de carne-e-osso, mas assombra, em alguns momentos é mesmo uma forma de assombração. É material e imaterial.



E tinha a Mala do Paulo César, humanizada, falante, dando entrevistas... uma crítica à imprensa mais preocupada com que os jogadores traziam nas malas, de suas viagens, evidências de seus altíssimos salários, que com o jogo que tinham feito lá fora. Então, a Mala do Paulo César, começa a se sentir mais importante que o jogador, e ganha voz, dá declarações, faz revelações, etc, enquanto o jogador fica para trás.



O Gravatinha. Gravatinha morreu em 1958, e por isso ainda vai ao estádio usando terno e gravata borboleta. Morreu vítima da Espanhola ( a gripe que atacou o Brasil nos anos 40 e fez centenas de vítimas).Tem já bem mais de oitenta anos, tem gestos calmos, é magro e fala com “voz de criança que baixa em centro espírita”. Torce pelo Fluminense, é torcedor ardoroso, e sua presença no estádio anuncia vitória do Fluminense, uma vez que o Gravatinha, do outro mundo, conhece por antecipação o resultado do jogo. E só vai ver jogo que Fluminense ganhe.
E o Paralelepípedo de Almeida ,personagem mais tardio que os outros. É um torcedor frio, sem deslumbramento, sem paixão, e sempre criticando os ídolos, sempre diminuindo uma jogada, sempre contra a celebridade do time.



São esses, acho, os mais destacados personagens surreais do futebol de Nelson Rodrigues, que deram origem e continuidade a dezenas e dezenas de metáforas e expressões literárias que se incorporariam definitivamente à lenda do futebol brasileiro.


Mas, pouco adiantaria falar sobre eles sem mostrar nenhum e por isso eu trouxe aqui um texto do genial comentarista, sobre o Sobrenatural de Almeida.




A Volta de Sobrenatural de Almeida

Texto de Nelson Rodrigues


( transcrito do livro João Saldanha e Nelson Rodrigues, de Ivan Cavalcanti Proença – Educom, 1976)


Amigos, entro na redação e sou avisado:” Tem aí um cara te esperando”. Digo tirando o paletó: “Manda entrar”. Era o abominalíssimo Sobrenatural de Almeida.É duro começar o trabalho com tão tenebrosa visita. Todavia, a natureza deu ao homem, para essas ocasiões, um cinismo impressionante.

Quando o Sobrenatural de Almeida aparece, eu o recebo com falsíssima efusão: “Quem é vivo sempre aparece!” Com uma perna mais curta que a outra, o visitante aproxima-se, mancando. Pergunto-lhe: “Como vai essa figura?” O outro abre um sorriso de maus dentes: “ Estou caprichando!” Sentou-se e eu berro para o contínuo: “Dois cafezinhos, rápido!”


E, instalado na redação, o Sobrenatural de Almeida começa a falar: “Tens visto a minha atuação?” Ao mesmo tempo que fala, abana-se com a Revista do Rádio. Sinto que ele está vaidosos de não sei que ignóbeis feitos.Tive a vontade quase irresistível de perguntar : “Assaltaste algum cahuffeur?” Por delicadeza, esperei que o miserável fizesse a sua auto-promoção. E, então, depois de limar um pigarro, de estufar o peito magro, diz ele, patético: “Eu venci o Fla-Flu! Eu!”


Houve um suspense. Sobrenatural de Almeida dá um risinho de Chaliapine em Mefistófeles: ”Ou não percebeste a minha influência no placar?” Juntou gente em torno de minha mesa. Ao mesmo tempo chegava o contínuo com dois cafezinhos na bandeja. E então, mexendo o açúcar, o abjeto cidadão contou, para nosso espanto, a sua vil ação contra o Fluminense.


Ouvindo-o, eu encontrava explicação para uma série de fatos extraordinários. Os idiotas da objetividade só vêm um jogo em termos estritamente técnicos e estritamente táticos. E o Sobrenatural de Almeida estava ali,provando que o futebol é muito mais do que puro e simples futebol. Qualquer clássico ou qualquer pelada tem uma área de mistério e de espanto.


Antigamento, os alvinegros soluçavam:”Há coisa que só acontecem ao Botafogo!” Era verdade. Fatos espantosos aconteciam em General Severiano. Nos últimos jogos, o Fluminense também poderia clamar: “Há coisa que só acontecem ao tricolor!”


A nossa equipe pode não ser um escrete húngaro de 54, mas é superior aos seus resultados. Por exemplo: contra o Vasco, o Denilson deu um gol; contra o Bangu, Silveira deu outro gol; contra o Flamengo, Altair outro Dir-se-ia que o tricolor cavou o próprio abismo. Mas é claro que o Fluminense não tem nenhuma vocação suicida. Por outro lado, Denilson, Silveira e Altair são “pós-de-arroz” apaixonados. Não estão lá para estraçalhar o próprio time. E por que, em três partidas consecutivas, o Fluminense foi artilheiro contra si mesmo?


Trepando numa cadeira, em plena redação, o Sobrenatural de Almeida bate no peito: “Fui eu! Eu!” Alega o abominável indivíduo que, aproveitando a ausência do Gravatinha, sentou-se na alma tricolor. Eu ouço e calo Ou por outra, faço-lhe a pergunta:” E domingo?” Sobrenatural de Almeida dá uma gargalhada satânica: “Entre o Botafogo e o Vasco, estou escolhendo minha vítima. Hei de beber o sangue de alguém





















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