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21 de fev. de 2009

Drummond, Torquato Neto, Adélia Prado, Chico Buarque...

Cada qual com seu anjo





Engraçado. Outro dia, lendo Adélia Prado, encontrei um poema seu que nem lembrava que existia. A poesia é assim. Às vezes a gente passa batido, e só vai descobrir mesmo anos depois. e esse começa assim: Quando eu nasci, um anjo...Pensei, claro, como é mesmo de intenção da poeta, em Drummond . E pensei em Torquato Neto. Cada qual com seu anjo.


Aí tive a idéia de buscar os outros e juntar aqui os três poemas. No caminho, encontrei mais um: o anjo de Chico Buarque. E vi também que alguém já tinha tido a mesma idéia, de juntar todos eles, na bonita página de Drummond do site Alguma Poesia, sob o título Os Filhos do Anjo Torto . Estão todas lá. O link deles é http://www.algumapoesia.com.br/drummond/drummond35.htm




Mas não desisti, mesmo assim. E eis aí os quatro anjos.



Drummond


Poema das sete Faces
(Primeiro texto do primeiro livro do poeta, de 1930)


Quando nasci,

um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida




Torquato Neto



LET'S PLAY THAT
(musicado por Jards Macalé)

Quando eu nasci


um anjo louco muito louco


veio ler a minha mão


não era um anjo barroco


era um anjo muito louco, torto, com asas de avião

eis que esse anjo me disse


apertando minha mãocom um sorriso entre dentes


vai bicho desafinar o coro dos contentes



(Do CD Torquato Neto - Todo Dia É Dia D, Vários Artistas, Dubas Música, 2002)






Adélia Prado



COM LICENÇA POÉTICA

Quando nasci um anjo esbelto,


desses que tocam trombeta,


anunciou: vai carregar bandeira.


Cargo muito pesado pra mulher,esta espécie ainda envergonhada.



Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir.



Não tão feia que não possa casar,


acho o Rio de Janeiro uma beleza


e ora sim, ora não, creio em parto sem dor.



Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.


Inauguro linhagens, fundo reinos— dor não é amargura.



Minha tristeza não tem pedigree,


já a minha vontade de alegria,


sua raiz vai ao meu mil avô.


Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.


Mulher é desdobrável.Eu sou.



In Adélia Prado, Poesia Reunida Siciliano, São Paulo, 1991




Chico Buarque de Hollanda



ATÉ O FIM



Quando nasci veio um anjo safado


O chato dum querubim


E decretou que eu tava predestinado


A ser errado assim


Já de saída a minha estrada entortou


Mas vou até o fim

Inda garoto deixei de ir à escola


Cassaram meu boletim


Não sou ladrão, eu não sou bom de bola


Nem posso ouvir clarim


Um bom futuro é o que jamais me esperou


Mas vou até o fim

Eu bem que tenho ensaiado um progresso


Virei cantor de festim


Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso


Em Quixeramobim


Não sei como o maracatu começou


Mas vou até o fim

Por conta de umas questões paralelas


Quebraram meu bandolim


Não querem mais ouvir as minhas mazelas


E a minha voz chinfrim


Criei barriga, minha mula empacou


Mas vou até o fim

Não tem cigarro, acabou minha renda


Deu praga no meu capim


Minha mulher fugiu com o dono da venda


O que será de mim?


Eu já nem lembro pr'onde mesmo que vou


Mas vou até o fim

Como já disse, era um anjo safado


O chato dum querubim


Que decretou que eu tava predestinado


A ser todo ruim


Já de saída a minha estrada entortou


Mas vou até o fim




Do LP Chico Buarque - Polygram, 1978




























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