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14 de jan. de 2009

Elisa Lucinda e Ana Carolina

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O primeiro livro de Elisa Lucinda, a atriz-poeta, de 1992, chamou-se Aviso da Lua que Menstrua.


Capa em cartolina azul com rosas de decalcomania ( aquela mesma, película fina, que a gente colocava na água de um pires, pra retirar, e exigiam mãos cuidadosas para não enrugar), caderno único de 40 páginas ( dez folhas tipo ofício, dobradas ao meio), presas com grampos de arquivo, e um prefácio! ...um prefácio da melhor literatura, de Grande Otelo. 14 poemas, em xerox. Foi o primeiro livro.

Na última página, o aviso: Este livro foi feito a mão no outono de 1992 na cidade do Rio de Janeiro por Pólita Gonçalves Produções Artísticas. Exemplar número.... (não diz) .

Mas a atriz já dissera, então, poemas por aí,em muitos lugares, e nas cidades do Porto e de Lisboa. E A Lua que Menstrua já tinha sido peça dirigida por Ana Kfoury.

Eis o primeiro poema do livro:


Aviso da lua que menstrua

Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cutela com essa gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas;
cada ato que faz o corpo confessa. Cuidado moço,
Às vezes parece erva, parece hera,
Cuidado com essa gente que gera,
essa gente que se metamorfoseia,
metade legível, metade sereia;
barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está.
Cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita...
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela,
cuidado com cada letra que manda para ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento,
e tudo refoga, ferve, frita,
inda sangra tudo no próximo mês,
Cuidado , moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou sua vez!
Porque eu sou muito sua amiga
é que estou falando “na vera”
conheço cada uma além de ser uma delas.
Você que saiu de uma fresta dela,
delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado,
ou sem os devidos cortejos...
às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a “cidade secreta”
a atlântida perdida,
outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na contradição de ser displicente
diante da própria serpente.
Ela é uma cobra de avental.
Não despreze a meditação doméstica,
é da poeira do cotidiano que ela extrai filosofias,
costurando, cozinhando,
e você chega com a mão no bolso
julgando o almoço: éca!
Você não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado,
tão preocupado em rosnar, ladrar, latir,
mas esquece de saber morder devagar.
Esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que é que você tem para falar da vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia,
comparando rainha com rainha,
óvulo, ovo e leite,
pensando que tá agredindo,
que tá falando palavrão imundo.
Tá não homem.
Tá citando o princípio do mundo.


( da série “Ímpetos" – à gosto, 1990)



Pois é. Andava então eu a curtir outra vez este primeiro livro de Elisa Lucinda, a dormir com ele ( Quando a leitura é boa, durmo com o livro), quando, sem o saber, Adagoberto Arruda me enviou, por email, um vídeo da Ana Carolina, que parou um show para dizer outro poema dela. Se existem ou não as coincidências, não sei. Mas que elas ocorrem com freqüência, e em fina sintonia, entre os que se querem muito bem neste mundão de meu Deus, constato a cada instante.


Ana Carolina, diz poema de Elisa Lucinda, Só de Sacanagem, em show



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