Ou eu e você
É... Barak Obama vai ter problemas. Neguinho não vai deixar barato essa vitória, não vai engolir assim tão facilmente o fim da hegemonia branca americana. Nunca se viu tamanho aparato de segurança para a proteção de um presidente americano ainda antes da posse. Foi uma festa, a sua vitória, no Império que agoniza, porque agoniza e, por isso mesmo, só lhe resta apostar em mudanças. Porque está na banca-rota, sem dinheiro, sem emprego, sem casa pra morar, sem dignidade, sem nada. Porque seu último presidente – duas vezes eleito - lhe cuspiu na cara. Levou centenas e centenas de jovens para morrerem numa guerra insensata, para nada. Arrancou as economias do povo com a promessa da sonhada casa própria, arrancou-lhe até a comida, a cueca, as calcinhas, e o jogou na rua, enquanto apodrecem os imóveis que não se conseguiu pagar.
Mas as mudanças não são fáceis. O ódio racial, uma das mais primitivas e irracionais manifestações da espécie humana, ainda vive, está lá, dentro dos lares americanos, como uma pústula.
Barak corre perigo. Mas não só ele. Cada negro, cada mulato, cada cafuso, cada índio, cada árabe, cada judeu, qualquer um que não seja branco no sentido mais hitleriano, mais ariano, está em risco. Uma onda de perseguição racial está em curso. Tentarão ressuscitar os piores dias do apartheid. Nos Estados Unidos e fora deles. Tentarão despertar no mundo os sentimentos mais inferiores e miseráveis, mais vis contra todos que não correspondam a essa imagem do branco.
Durante a longuíssima campanha americana à Presidência, vi mais vezes que a soma de todos os outros dias de minha vida, a imagem de Luther King, sempre no mesmo discurso:”Eu tive um sonho”. No dia da vitória, um homem negro e velho, que aguardava o final da apuração dos votos na sua igreja, num bairro negro, chorou ao ouvir o nome de Barak Obama. Ele foi amigo de Luther King e testemunha de sua morte. Era o sonho de Luther King, realizado – disse. Uma cena comovente. Pobre homem. Ainda não é dessa vez. E talvez ele mesmo não veja chegar essa hora. O resultado dessa eleição é uma gota nesse oceano de águas tormentosas.
E prova disso foi o incidente, agora ocorrido no avião da AMERICAN AIRLINES, com Dudu Nobre e Adriana Bombom, sujeitos ao ódio nazi-fascista da equipe de bordo. Ela, chamada de estúpida, porque se atrapalhou na hora de abrir a porta do banheiro. Ele, escarnecido enquanto dormia, chamado de macaco. Ódio incontrolável, esse. Sim , porque se não estivessem tão tomados por ele, não irracionalmente possuídos , presume-se que, no mínimo, avaliariam a possibilidade de perder seus empregos. E emprego, como se sabe, não anda muito fácil por lá. Tão irracional, que ainda não satisfeito, o comissário partiu para a agressão física, usando uma caneta. Veja só: uma caneta. Acho que, assim como a segurança dos aeroportos apreende canivetes, sprays e tesourinhas, nas próximas vezes, deverá apreender também as canetas de quem vai embarcar. Elas podem ser um perigo na mão de um possuído.
A agressão criminosa aos artistas brasileiros deve ser tomada por nós como uma ofensa a todo nosso povo. E, por cada um de nós, como uma ofensa pessoal. E já que vivemos um tempo de tamanha indiferença ao outro, devo lhe dizer. Se você é brasileiro, louro, de pele clara, olhos azuis e cabelos lisos, você engana que é branco aqui. Lá, nos Estados Unidos, eles sabem que é negro. Porque tem a bunda grande, ou o nariz assim, ou a unha assado. Andei sozinha pelos guetos negros de NY, entrei em igreja, em supermercado, olhei vitrines, comprei coisinhas. Ninguém me olhou esquisito. Porque eles sabiam que sou negra. E como negra e igual me tratavam. No entanto, tenho a pele muito clara, olhos verdes, cabelos só ligeiramente ondulados. No Brasil, sou vista como branca.
Portanto, não me venha bater os ombros e dizer, como no poema de Brecht, “isso não é comigo”. É com você, sim. É com você, comigo, com o Dudu, com a Bombom, com todo nosso povo, com Barak Obama, com um mundo que se quer melhor que isso.
Grite, então. Grite, berre, faça escândalo, fale no seu trabalho, na rua, na escola de seu filho, escreva carta ao Lula, passe email para os amigos, some-se a outros, cobre explicações à empresa de aviação, cobre que os jornais não esqueçam, qualquer coisa. Indigne-se. Isso é com você.
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19 de nov. de 2008
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