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20 de out. de 2008

Pasta Especial para Dias de Festa e Poesia

ou Cozinhar é Bom para Pensar


Invado a correspondência de uma cozinheira que escreve a outra cozinheira. Só um email. E sem crime. Autorizado. “Recebi esse email e pensei em você. Acho que vai gostar” – me repassou ela, a segunda cozinheira.

E gostei mesmo.

Todos nós sabemos que culinária é arte. Nada menos que arte. Mas as duas cozinheiras que protagonizam essa história de emails fazem mais. Cozinham e pensam o que seja o cozinhar. São poetas do próprio cotidiano, poetas do seu ofício - feito de proteínas, amido, fibras, cereais, magia feita de fogo e água, de aromas e ruídos e temperaturas e cores, de paladares e tato – de heranças, de instintos e de História....

Quem são elas?

Quem recebe e me encaminha o email é Márcia Cisneiros, pintora e cozinheira. Escreveu um livro bonito, bonito, associando receitas, memórias e figuras.

Quem escreve , Juliana Venturelli, do Sabor Ciranda - que acabo de conhecer, nessa mensagem à outra. Mas simpatizei de cara, pelo texto, a receita e a foto que vieram também no email. Que cara de gente bacana ela tem!

Reproduzo tudo aqui, da foto à receita, o email inteiro:


O Castello de José
Quando leio José Castello no Prosa e Verso do Jornal O Globo, sinto-me convidada a entrar em um espaço-tempo, onde, mais do que o sumo das coisas, José oferece a essência do dito e do ainda não dito. Ele tem mãos de cozinheiro, cozinheiro de palavras.
Suas palavras são extratos. Parecem a mim como os molhos reduzidos, que, depois de tanto ferver, de tanto apurar, deitam-se quietos no seu próprio estado-ser.
É um rebuliço o que José causa em mim, uma fervura que anuncia a paz.
Há comigo um artigo, solto em páginas da agenda, cuja finalidade é me refrescar em tempos de idéias efervescentes. Quando me sinto efusiva, aquecendo a euforia em fogo alto, volto-me a este refresco preparado por José em seu castelo de temperadas palavras.
Irresistível deixar de trazer a vocês o néctar do qual tenho me alimentado.
O artigo chama-se Poesia e Rumor. Aqui, alguns trechos:

"Não é de um médico ou um terapeuta, que precisamos. Talvez seja melhor buscar um poeta...
...Na zoeira do cotidiano, o poeta, com a cabeça inclinada sobre o peito das coisas, sem nada esperar, lê o silêncio...
...Sobre o mar imenso ou sobre a noite da cidade, o poeta escreve. Nem ele mesmo domina o que escreve. Escrever é antes de tudo, escutar...
...mais que a escrita, seu instrumento é a escuta...Ao poeta cabe, em silêncio, auscultar o suave, quase inaudível rumor que, no bojo do mundo, lateja...".


Eis o que me tocou a alma de cozinheira. Cozinhar é também fazer poesia. É abrir ouvidos, olhos, boca e nariz para perceber o que faz sentido entre temperos e medidas. É entrar neste estado de coisas latentes e cavar o silêncio, assim como José Castello descreve o poeta.
Quando me coloco silenciosa diante do meu ofício e inclino meus sentidos sobre as cores, texturas e cheiros que a cozinha me oferece, ali acontece o inesperado. Muitas vezes sem esperar, um calmo sussurro vindo de dentro do meu silêncio me inspira a criar, a mexer, a agregar temperos e sabores ao prato: o livro da cozinheira.
Assim como palavras soltas ganham forma e transformam-se em frases ao poeta;
Assim como notas musicais soltas transformam-se em frases nas mãos do músico,
os temperos, especiarias e outros ingredientes compõem o poema na panela.
Aqui está a obra de arte da cozinheira: a poesia oferecida para ser comida.

Pasta de ricota, damasco e tabasco
Domingo passado, entre poesia e rumor de um autêntico e artesanal almoço italiano na casa da Cecília Zanatta, nos minutos em que o silêncio foi possível e bem vindo na cozinha, enquanto Cecilia abria, esticava, cortava e cozinhava a massa de talharim, criei uma pasta de ricota com geléia de damasco ao molho de tabasco.
Quero compartilhá-la com vocês, leitores de poesia e de comida!
A Receita
Pasta Especial para Dias de Festa e Poesia
Ingredientes:
Ricota fresca amassada
Geléia de damasco sem açúcar
Tabasco
Sal e azeite
Modo de Fazer:
Esta pastinha é muito variável, tendendo mais para o picante ou mais para o doce, de acordo com o gosto de cada um. Pode também ficar bem equilibrada em medidas iguais de geléia e tabasco.
Sugiro que se faça a experiência do silêncio e escute o que sua intuição for traduzindo para suas mãos.


Juliana Venturelli
Especialista em culinária vegetariana e integral e Consultora Gastronômica

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Um comentário:

  1. oi! Fiquei honrada em me ver assim tão dentro da sua janela!
    Gostei muito de ter tocado o seu coração.

    Um grande beijo

    JUliana

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