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18 de out. de 2008

Augusto dos Anjos e o Tropicalismo

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Arqueologia da palavra

Augusto dos Anjos andava esquecido da gente. Ninguém mais queria saber de seus fantasmas, mórbido romantismo que um dia traduziu os nossos mais íntimos e inconfessáveis questionamentos, amor-e-morte.. Poemas que animaram namoros de nossos avós, copiados em bilhetinhos clandestinos e nos caderninhos escolares das adolescentes inaurgurais do século 20. Poemas funéreos, de sepulcros, de coveiros, de feridas, de xingamentos de Deus. Éramos outros homens, outros brasileiros, então.
Mas já éramos nós

Já éramos nós, aqueles, quando Augusto dos Anjos era a modernidade.

Augusto dos Anjos nasceu em Pernambuco, em 1884, morreu em 1914.

Nos anos 70, retornou das cinzas; voltou com o Tropicalismo, pelas mãos de Caetano , de Décio Pignatari, dos irmãos de Campos, de Torquato Neto.... Retornou, na mesma onda que nos trazia de volta Coração Materno, Souzândrade, Qorpo Santo – resgate da poética e da alma, da identidade brasileira cultural e sentimental. Arqueologia da palavra.

Voltou com Glauber Rocha, no curta polêmico da morte de Di Cavalcanti. Sobre imagens do velório do pintor, uma voz ( de quem mesmo, meu Deus?) recitava : Ninguém assistiu ao formidável enterro de tua última quimera. Somente a solidão, essa pantera, será tua amiga. inseparável. (Augusto dos Anjos ).

Remexer a poesia do passado é um divertimento e tanto. Não do meu passado. Ou do seu. Falo do passado da própria poesia.

Tenho aqui uma edição muito antiga de Eu e Outras Poesias ( editora Bedeschi), Augusto dos Anjos, sem data. É uma vigésima-sexta edição. O livro se desmancha, soltam as páginas. É muito velho. A coceira que me dá no nariz folheá-lo não me deixa dúvida. É muito velho.

Vejo os títulos dos poemas, no português antigo da edição:

Monólogo de uma Sombra ( escrito aos 17 anos de idade)
Agonia de um Philósopho
O Morcêgo
O Deus-verme
O Caixão Phantástico
A um Carneiro Morto
O Martyrio do Artista
Vozes de um Túmulo
A Obsessão de Sangue
Suprème Convulsion.


...E por aí vai.

Mas o poeta exige a poesia.
E vão aí duas, dois sonetos, de Eu e Outras Poesias.
Augusto dos Anjos


Idealismo

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor na Humanidade é uma mentira.
É. E é por isso que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
- Alavanca desviada do seu fulcro.

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!



Último Credo

Como ama o homem adúltero o adultério
E o ébrio a garrafa tóxica de rum,
Amo o coveiro – este ladrão comum,
Que arrasta a gente para o cemitério!

É o transcendentalíssimo mistério!
É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum,
É a morte, é esse danado número Um
Que matou Cristo e que matou Tibério!

Creio, como o filósofo mais crente,
Na generalidade decrescente
Com que a substância cósmica evolui...

Creio, perante a evolução imensa,
Que o homem universal de amanhã vença
O homem particular que eu ontem fui!

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